terça-feira, 2 de abril de 2013

Análise: O Som Ao Redor (2012)





Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Irandhir Santos, Irma Brown, Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, W.J. Solha
Duração: 131 minutos
Gênero: Suspense / Drama
Países: Brasil
Idioma: Português
Resumo: Um conjunto de histórias que mostram o cotidiano de um bairro de classe média em Recife.


É difícil falar sobre as expectativas que eu criei desde a primeira vez que ouvi falar de O Som Ao Redor, primeiro longa do diretor Kleber Mendonça Filho. Conheço um pouco o trabalho do diretor com curtas metragens, e a única coisa que eu sabia do filme em questão é que o mesmo tratava da classe média brasileira e que havia sido muito elogiado lá fora, sendo premiado em diversos festivais e colocado em listas de críticos como um dos melhores filmes de 2012. Após uma abertura contendo uma montagem de fotos de trabalhadores da lavoura e um lindo travelling no pátio de um prédio que me remontou O Iluminado (The Shining, 1980), comecei a me sentir preso pelo filme.

A história é contada em três capítulos, intitulados "Cães de Guarda", "Guardas Noturnos" e "Guarda Costas" e a ligação destes nomes com os acontecimentos da trama são explorados de forma eficiente pelo diretor. Praticamente todo a história se desenrola em uma pequena rua residencial de Recife, onde os moradores se mostram preocupados com recentes assaltos e acabam sendo abordados por "profissionais de segurança" - e as aspas aqui são válidas pois os mesmos não possuem nada além de uma tenda e bicicletas - que oferecem proteção aos mesmos pela contribuição não obrigatória de vinte reais.

Os seguranças recebem a aprovação por quase todos os residentes da rua, excetuando os membros de uma mesma família, composta pelo avô Francisco (W.J. Solha), seu filho Anco (Lula), e seus netos João (Gustavo Jahn) e Dinho (Yuri Holanda). Este último é uma espécie de ovelha negra da família, e mesmo cursando faculdade e vivendo em uma família que, nas palavras dele mesmo , é composta por "gente rica", ainda comete atos repugnantes, como roubar o som de carros que ficam parados na rua durante a noite. Enquanto isso, Francisco - cuja personalidade é perfeitamente delineada em um evento noturno - , mesmo sabendo das atitudes do neto, ameaça os guardas se estes fizerem qualquer coisa ao jovem.

O mosaico de personagens apresentados durante o filme é grande, e também contém Bia (Maeve Jinkings), uma dona de casa que vive com o marido e os dois filhos. Ela acaba se drogando e se aproveitando de sua lavadora de roupas - por mais estranho que isso possa parecer - para aliviar a tensão. Além disso, ela é atormentada pelo cachorro do vizinho, que late durante a noite e não a deixa dormir. Sofia (Irma Brown) é namorada de João e antiga moradora da rua, e sua antiga casa está prestes a ser demolida para a construção de um prédio.

As partes mais curiosas e bem humoradas do filme ficam na retratação das preocupações dos moradores com assuntos que às vezes podem soar banais, mas que todos nós sabemos que ocorrem no nosso dia a dia. E esse talvez seja o grande triunfo do filme: mostrar fatos que poderiam estar sendo retratados em praticamente qualquer ponto do país, pois as situações pelas quais os personagens passam são as mais cotidianas possíveis. Dentre elas, as mais dignas de destaque são as mostradas na reunião de condomínio, em que os moradores discutem o futuro de um porteiro que já trabalha há muito tempo no prédio; uma briga entre personagens pelo fato de uma delas estar comprando uma televisão maior que a da outra; uma mulher que tenta conseguir desconto no preço do aluguel pela ocorrência de fatos com a última inquilina, entre outros casos. Existem até alguns toques quem lembram o cinema de Luis Buñuel, que em toda a sua carreira fez questão de mostrar um cinema que fazia questão de parodiar as instituições estatais, a igreja e a burguesia. 

É interessante também notar como o filme mostra que as pessoas preferem pagar separadamente pela sua segurança do que exigir que ela seja feita por quem é de direito, ou seja, o Estado. Aliás, a única vez que a polícia é mostrada no filme é de maneira ácida, em que são mostrados ambulantes vendendo cds no meio da rua e policiais parando para comprar.

O elenco do filme também ajuda a engrandecer a obra, contando com atores que encarnam bem o retrato da população brasileira, com destaque enorme para Irandhir Santos que vem ganhando mais espaço no cinema nacional e que conta com ótimos trabalhos no currículo, como Tropa de Elite 2 (2010) e Febre do Rato (2012). O Som Ao Redor é uma brisa de ar fresco no cinema brasileiro que, repleto de filmes enlatados e preguiçosos, mostra mais uma vez que é capaz de atingir um alto nível e fazer frente a obras de qualquer parte do mundo. O triste é saber que é raríssimo uma obra como essa ser feita por aqui, e mais raro ainda ter tamanha repercussão.

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